Vale quer fazer captação de água gigantesca em afluente do Rio Doce em MG

Mineradora pretende usar 720 milhões de litros de água por mês, o que pode influenciar negativamente a recarga da bacia

Rafaella Dotta – Brasil de Fato/MG

Está em análise mais um empreendimento da empresa Vale S.A. para Minas Gerais. O projeto Serra da Serpentina pretende explorar minério de ferro e se instalar nas regiões Norte e Nordeste do estado, atravessando 11 municípios.

Além de cavas e uma usina de tratamento, o complexo terá um mineroduto de 107 quilômetros, que irá de Conceição do Mato Dentro a Nova Era. A estrutura atravessa duas bacias hidrográficas, a do Rio Santo Antônio e a do Rio Piracicaba, e pode influenciar negativamente a recarga da bacia do Rio Doce.

Para operar o mineroduto, a empresa pretende usar a água do Rio Santo Antônio, na quantidade de 720 milhões de litros de água por mês. A informação é do Relatório de Impacto Ambiental (Rima) Serra da Serpentina, protocolado na Superintendência Regional de Meio Ambiente Jequitinhonha em outubro de 2022.

O projeto da Vale ainda vai impactar diretamente 249 outorgas e usos d’água, hoje empregados por moradores e empresas locais para consumo humano, animal, industrial e abastecimento público, segundo dados do Rima.

Recuperação do Rio Doce está em jogo

A pretensão é vista como uma afronta pela bióloga e analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Beatriz Ribeiro. O Santo Antônio é um dos maiores e mais ricos afluentes do Rio Doce. Logo, segundo ela, o seu uso desmedido impactará sobremaneira a biota já tão danificada.

“O Rio Santo Antônio é o tributário que abastece o Rio Doce com a maior quantidade e maior qualidade de água. É o rio que conserva os ecossistemas aquáticos mais parecidos com os que foram destruídos pelo desastre de Mariana e que mantém as espécies de peixes e outros organismos endêmicos que contribuirão para repovoar o Rio Doce”, argumenta.

Em 2015, o Rio Doce foi impactado pelo rompimento da barragem de Fundão, da Samarco (propriedade da Vale e da BHP Billiton), que lançou 63 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração no seu leito.

“Uma proposta como essa ignora o papel ecológico do Rio Santo Antônio para a recuperação ambiental do Rio Doce”, critica.

Região já sofre com maior mineroduto do mundo

Para além de não aprovar o complexo Serra da Serpentina, a bióloga aconselha que a outorga de outro mineroduto também seja revista. Atualmente, o Rio Santo Antônio é impactado pelo maior mineroduto do mundo, com 529 quilômetros de extensão, do projeto Minas-Rio, da mineradora Anglo American.

O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica Santo Antônio Filipe Gaeta tem a mesma preocupação. “A escassez hídrica do Rio do Peixe, afluente do Santo Antônio, onde é captada a água para o transporte do minério da Anglo American, é notória”, conta. “Nele, são retirados 2,5 mil metros cúbicos por hora, água suficiente para abastecer uma cidade de aproximadamente 200 mil habitantes”, ilustra.

O comitê da bacia ainda não foi comunicado formalmente, e deve atuar no momento do requerimento de outorgas de água. No entanto, Filipe já aponta uma série de irregularidades que o projeto carrega.

As consultas aos conselhos municipais, como o Conselho de Defesa e Conservação do Meio Ambiente (Codema), o Conselho Gestor do Monumento Natural Serra da Ferrugem (Congesf) e o Conselho de Desenvolvimento Municipal (CDM), previstas nas legislações municipais, por exemplo, não foram realizadas pela Vale.

Por abranger uma zona de amortecimento da Unidade de Conservação Municipal Monumento Natural Serra da Ferrugem, o projeto também precisaria consultar formalmente o órgão administrador da unidade. O que, segundo Filipe, também não foi feito.

A reportagem procurou a Vale, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

Imagem: Rima Serra da Serpentina

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